Ferro (barras de) em Deleuze e Guattari (2000 [1980])
Problemas de povoamento no inconsciente: tudo o que se passa pelos poros do esquizo, as veias do drogado, formigamentos, fervilhamentos, animações, intensidades, raças e tribos. Seria de Jean Ray, que soube ligar o terror aos fenômenos de micromultiplicidades, este conto no qual a pele branca se eriça em inúmeras erupções e pústulas e cabeças negras anãs passam pelos poros fazendo caretas, abomináveis, que havia necessidade de raspar com uma faca a cada manhã? E também as “alucinações liliputeanas”, com éter. Um, dois, três esquizos: “Em cada poro da pele brotam-me bebês” — “Oh!, quanto a mim não é nos poros, mas nas veias que nascem pequenas barras de ferro” — “Eu não quero que me deem injeções, salvo com álcool canforado. Senão seios me nascem em cada poro”. Freud tentou abordar os fenômenos de multidão desde o ponto de vista do inconsciente, mas ele não viu bem, não via que o inconsciente era antes de mais nada uma multidão. Ele estava míope e surdo, confundia multidões com uma pessoa. Os esquizos, ao contrário têm o olho e a orelha agudos. Eles não confundem os rumores e as impulsões da multidão com a voz de papai. Jung, certa vez, sonhou com ossos e crânios. Um osso, um crânio, nunca existem sozinhos. O ossuário é uma multiplicidade. Mas Freud quer que isto signifique a morte de alguém. “Jung, surpreso, leva-o a observar que havia vários crânios, não somente um. Mas Freud continuava…” [Nota de rodapé 2: E. A. Bennet, Ce que Jung a vraiment dit, Stock, p. 80.].
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. 2000 [1980]. 1914: Um só ou vários lobos? (Trad.: Aurélio Guerra Neto) In: Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. Volume 1. Rio de Janeiro: Editora 34, pp.39-52.