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Tecnologia e magia (Gell 1988)

Tecnologia e magia (Gell 1988)

GELL, Alfred. 1988. Technology and magic. Anthropology Today 4(2):6-9.

Em “Technology and Magic”, Gell propõe uma relação produtiva entre tecnologia – definida como “a busca de objetivos difíceis através de meios indiretos” – e magia – definida como um “procedimento técnico ideal”.

Na primeira parte do texto, dedicada à tecnologia, Gell argumenta que a “tecnologia” não se limita às ferramentas, mas também envolve os conhecimentos necessários para desenvolvê-las e utilizá-las, assim como o contexto social (redes de relações) que possibilita a produção, reprodução e transmissão desse conhecimento. Quanto ao adjetivo “técnico”, Gell o define como “um certo grau de desvio na realização de algum objetivo”, como uma “ponte” mais ou menos complicada entre certos elementos dados e um objetivo a ser alcançado por meio de uma exploração muito específica das propriedades desses elementos.

Assim, “o grau de tecnicidade é proporcional ao número e à complexidade dos passos que ligam os dados iniciais ao objetivo final”, sendo a estrutura formada por todos esses “passos” o “sistema” da tecnologia. Com isso, Gell argumenta que existe tanta tecnicidade na construção de um machado quanto na construção de uma flauta, sendo ambos igualmente instrumentos e, portanto, elementos numa seqüência técnica. Gell propõe então uma classificação das capacidades tecnológicas humanas em três categorias:

(1) Tecnologia de Produção: aquilo que normalmente se entende por tecnologia, relacionado com a sobrevivência objetiva (Gell considera esta categoria livre de controvérsias, e por isso não dedica mais que um parágrafo a ela).

(2) Tecnologia de Reprodução: aqui Gell coloca as relações de parentesco e de domesticação (de animais e de humanos, na forma da educação).

(3) Tecnologia de Encantamento: trata-se do conjunto de “armas psicológicas” que permitem aos humanos controlarem uns aos outros e entre as quais Gell situa aquilo que entendemos por “arte”.

Na segunda parte do texto, dedicada à magia, Gell apresenta o feitiço como um “plano cognitivo” para a ação, e a magia como um fluxo contínuo de comentários sobre as ações técnicas que as divide, enquadra, define, guia, internaliza e exercita. Como numa brincadeira de criança, a magia vai além do real rumo ao ideal da ação e está ligada ao processo de inovação. Segundo Gell, o “papel cognitivo das idéias mágicas” é criar um “campo de orientação para as atividades técnicas”, sendo a inovação técnica o resultado não da satisfação de “necessidades”, mas sim da realização de ideais técnicos até então considerados mágicos. Através de três exemplos etnográficos, Gell mostra que a magia é uma “tecnologia ideal” que parte da tecnologia real, mas a supera, indicando o caminho de sua evolução: “é a tecnologia que sustenta a magia, mesmo quando a magia inspira novos esforços técnicos”.

Gell termina o texto com um breve comentário sobre o lugar da magia em nossa sociedade tecnológica, concluindo que encontraremos na publicidade, na ficção científica e na divulgação científica – i.e., quando cientistas e técnicos dão sentido às suas próprias atividades – os “comentários simbólicos sobre atividades e processos realizados no campo tecnológico” que caracterizam a magia. Cito então as duas últimas frases do texto: “Os propagandistas, criadores de imagens e ideólogos da cultura tecnológica são seus mágicos, e se eles não afirmam possuir poderes sobrenaturais é apenas porque a própria tecnologia se tornou tão poderosa que os desobriga disso. E se nós deixamos de reconhecer explicitamente a magia, é porque tecnologia e magia são, para nós, a mesma coisa”.

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