study note
A concepção de ação (práxis) em Marx

A concepção de ação (práxis) em Marx

Teses sobre Feuerbach (Marx 1845)

2. A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objectiva não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.
[…]
8. A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana e no compreender desta práxis.
[…]
11. Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é transformá-lo.

Verbete “praxis” do Dicionário do Pensamento Marxista organizado por Tom Bottomore
PETROVIC, Gajo. 2001. Práxis. In: Tom Bottomore (Ed.). Dicionário do Pensamento Marxista. (Trad. Waltensir Dutra) Rio de Janeiro: Zahar, pp.292-6. [1983]

A expressão práxis refere-se, em geral, a ação, a atividade, e, no sentido que lhe atribui Marx, à atividade livre, universal, criativa e auto-criativa, por meio da qual o homem cria (faz, produz), e transforma (conforma) seu mundo humano e histórico e a si mesmo; atividade específica ao homem, que o torna basicamente diferente de todos os outros seres. Nesse sentido, o homem pode ser considerado como um ser da práxis, entendida a expressão como o conceito central do marxismo, e este como a “filosofia” (ou melhor, o “pensamento”) da “práxis”. […] A palavra é de origem grega e, de acordo com Lobkowicz, “refere-se a quase todos os tipos de atividade que o homem livre tem possibilidade de realizar; em particular, a todos os tipos de empreendimentos e de atividades políticas” […].
[…]
Em Marx, o conceito da práxis torna-se o conceito central de uma nova filosofia, que não quer permanecer como filosofia, mas transcender-se tanto em um novo pensamento metafilosófico como na transformação revolucionária do mundo. Marx desenvolveu seu conceito de maneira mais completa nos Manuscritos econômicos e filosóficos e o expressou de maneira mais vigorosa nas Teses sobre Feuerbach, embora já o tivesse antecipado em seus escritos anteriores.
[…]
Nos Manuscritos econômicos e filosóficos, Marx desenvolveu sua concepção do homem como um criativo e livre ser da práxis de forma tanto “positiva” como “negativa”, essa última por meio da crítica da auto-alienação humana. No que diz respeito à […] forma positiva, Marx afirma que “a atividade consciente, livre, é o caráter da espécie do ser humano” e que “a construção prática de um mundo objetivo, o trabalho, que se exerce sobre a natureza inorgânica, é a confirmação do homem como um ser de espécie consciente” (Primeiro manuscrito, “Trabalho alienado”). O significado de produção prática do homem encontra sua explicação no confronto entre a produção humana e a produção dos animais.
[…]
“Eles (os animais) produzem apenas com um objetivo imediato, enquanto o homem produz de um modo universal. Os animais produzem movidos apenas por suas necessidades físicas, enquanto o homem produz mesmo quando está livre das necessidades físicas e só produz verdadeiramente quando libertado destas necessidades. O animal só se produz a si próprio, enquanto o homem reproduz toda a natureza. O produto do animal é parte integrante de seu corpo físico, enquanto o homem faz face livremente ao seu produto. Os animais só laboram de acordo com os padrões e as necessidades da espécie à qual pertencem, enquanto o homem sabe produzir de acordo com os padrões de todas as espécies e sabe aplicar o padrão adequado à natureza do objeto. e assim o homem labora, também, de acordo com as leis do belo.” (ibidem)

Nos Manuscritos econômicos e filosóficos, Marx parece às vezes sugerir que a teoria deva ser vista como uma das formas da práxis. Reafirma, porém, a oposição entre a teoria e a práxis e insiste no primado da práxis nessa relação: “A resolução das contradições teóricas só é possível de maneira prática, só por meio da energia prática do homem” (terceiro manuscrito, “Propriedade privada e comunismo”). Nas Teses sobre Feuerbach, o conceito de práxis, ou melhor, de “práxis revolucionária”, é de importância central: “A coincidência da transformação das circunstâncias e da atividade humana ou auto-transformação só pode ser concebida e racionalmente entendida como práxis revolucionária” (Terceira tese). E novamente: “Toda vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que levam a teoria no sentido do misticismo encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis” (Oitava tese). Nos Manuscritos econômicos e filosóficos Marx opõe, geralmente, “trabalho” a “práxis” e descreve explicitamente o primeiro como “o ato de alienação da atividade humana prática”, mas é por vezes incoerente, usando “trabalho” como sinônimo de “práxis”. Em A ideologia alemã, insiste com veemência na oposição entre “trabalho” e o que havia chamado antes de práxis, e sustenta a opinião de que todo trabalho é uma forma auto-alienada de atividade produtiva humana, e deveria ser “abolido”. A forma não-alienada de atividade humana, anteriormente chamada de práxis, passa a receber o nome de “auto-atividade”, mas, apesar dessa modificação de terminologia, a idéia fundamental de Marx permanece a mesma: “a transformação do trabalho em auto-atividade”. E permaneceu a mesma nos Grundrisse e em O Capital.

Por várias razões o conceito que Marx tinha de práxis foi, durante muito tempo, esquecido ou mal interpretado. A interpretação errônea começou com Engels que, em seu discurso junto ao túmulo de Marx, afirmou ter ele feito duas grandes descobertas: a teoria do materialismo histórico e a teoria da mais-valia. Isso deu início à opinião generalizada de que Marx não era um filósofo, mas um teórico científico da história e um economista político. Só uma tese sobre a práxis tornou-se conhecida e difundida (a ainda nesse caso devido a Engels), ou seja, a de que a práxis é uma garantia de conhecimento fidedigno e o critério último da verdade […][; ou ainda:] a práxis como experimentação e indústria.

Essa concepção de práxis como o argumento decisivo contra o agnosticismo e como o critério último da verdade foi defendida e desenvolvida por Plekhanov e Lenin. […] Plekhanov e Lenin acompanharam a perspectiva de Engels de que a teoria histórica e a teoria econômica de Marx necessitavam, para seu fundamento, de uma nova versão do velho materialismo filosófico. Elaboraram, portanto, a doutrina do materialismo dialético, canonizada finalmente por Stalin (1938).
[…] [comentários sobre Labriola, Gramsci, Lukács, Korsch e Marcuse].
Nas décadas de 1950 e 1960, vários filósofos marxistas iugoslavos, numa tentativa de libertar Marx das errôneas interpretações stalinistas e de reviver e desenvolver o pensamento original de Marx, passaram a considerar o conceito de práxis como central no pensamento deste. Segundo essa interpretação, Marx considerava o homem como um ser de práxis, mas não no sentido da atividade econômica ou política (nem mesmo da atividade revolucionária no sentido político comum) e ainda menos da política oficial de um governo “socialista” (ou qualquer outro) ou de um partido político comunista (ou qualquer outro). Em lugar disso, a práxis é considerada como a forma especificamente humana do ser do homem, como atividade livre e criadora e auto-criadora. alguns deles sugeriram mais especificamente que Marx utilizou-se do conceito de “práxis” no sentido aristotélico de práxis, poiesis e theoria e não no sentido de quaisquer práxis, poiesis e theoria, mas apenas no de “boa” práxis em qualquer destes três campos. “Práxis” opunha-se, portanto, não à poiesis ou à theoria, mas à práxis “má”, alienada. A distinção entre boa e má práxis não se dava em um sentido ético, mas como uma distinção ontológica e antropológica fundamental, ou, ainda, como uma distinção no pensamento metafilosófico revolucionário. Ao invés de falar de boa e má práxis, estes autores preferiram falar de práxis autêntica e práxis alienada, ou de forma mais simples, de práxis e alienação. O primeiro número da revista Praxis, por eles fundada em 1964, foi dedicado ao estudo do conceito.

O conceito de práxis tem desempenhado um papel importante na obra de vários pensadores marxistas recentes […] e, notadamente, entre os pensadores da Escola de Frankfurt, para os quais a relação entre teoria e práxis foi sempre de interesse primordial, embora tenham dedicado maior atenção à “teoria” (e mais especificamente à “teoria crítica”) do que ao outro termo da relação, a “práxis”. Um representante mais recente dessa escola, Habermas, tentou formular o conceito de práxis de uma nova maneira, estabelecendo uma distinção entre “trabalho” ou “ação racional voltada para um objetivo” e “interação” ou “ação comunicativa” […]. De acordo com Habermas, a práxis social, tal como a entendia Marx, incluía tanto o “trabalho” como a “interação”, mas Marx tinha a tendência a reduzir a práxis social a um de seus momentos, ou seja, o trabalho” […].
[…]
Alguns autores são de opinião que, como o conceito mais geral, básico para a definição de todos os outros, o conceito de práxis não pode ser ele próprio definido. Outros, porém, insistiram em que, embora seja muito complexo, pode ser analisado, até certo ponto, e definido. As definições de práxis vão desde o seu enfoque simplesmente como atividade humana por meio da qual o homem modifica o mundo e a si mesmo, até outras mais desenvolvidas, que introduzem as noções de liberdade, criatividade, universalidade, história, futuro, revolução, etc. Os que definem a práxis como a atividade humana e criativa livre foram por vezes criticados por sugerirem um conceito puramente “normativo” e “não realista”; se, por “homem”, entendermos um ser que realmente existe e, por “práxis”, aquilo que os seres humanos realmente fazem, então é evidente que houve sempre mais falta de liberdade e de criatividade na história humana do que o inverso. em resposta a essas críticas, porém, pretendeu-se que a noção de atividade criativa livre não é “descritiva” ou “normativa”, mas expressa potencialidades humanas essenciais, alguma coisa diferente tanto do que simplesmente é como do que apenas devia ser.

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