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Alagmática (Simondon 2020 [1958])

Alagmática (Simondon 2020 [1958])

SIMONDON, Gilbert. 2020 [1958]. Alagmática. In: A individuação à luz das noções de forma e de informação. (Trads.: Luís E.P. Aragon; Guilherme Ivo) São Paulo: Editora 34, p.559-71.

ALAGMÁTICA como TEORIA DAS OPERAÇÕES

A alagmática é a teoria das operações. (Simondon 2020:559)

ALAGMÁTICA e CIÊNCIA

Não se pode designar cada ramo da alagmática por um domínio objetivo, como estudo da matéria, estudo da vida…. Em contrapartida, uma maneira primitiva, porém útil, de distinguir suas especificações consiste em se servir das ciências já constituídas para denominar seus intervalos. Um intervalo significa, com efeito, possibilidade de uma relação, e uma relação implica operação. Obteríamos assim a alagmática físico-química, a alagmática psico-fisiológica, a alagmática mecânico-termodinâmica. (Simondon 2020:559)

A ciência das operações só pode ser atingida se a ciência das estruturas percebe desde o interior os limites de seu próprio domínio. A alagmática é a vertente operatória da teoria científica. A ciência está, até nossos dias, realizada apenas pela metade; resta- lhe agora fazer a teoria da operação. Porém, como uma operação é uma conversão de uma estrutura em uma outra estrutura, seria preciso inicialmente uma sistemática das estruturas para que esse trabalho possa ser realizado. A Cibernética marca o início de uma alagmática geral. (Simondon 2020:562)

ESTRUTURAS e OPERAÇÕES (transoperações e conversões; modulação e desmodulação)

sendo uma estrutura dada como o resultado de uma construção, pode-se dizer que a operação é o que faz aparecer uma estrutura ou que modifica uma estrutura. A operação é o complemento ontológico da estrutura e a estrutura é o complemento ontológico da operação. O ato contém ao mesmo tempo a operação e a estrutura; também, segundo a vertente do ato ao qual a atenção se volta, ela retém o elemento operação ou o elemento estrutura, deixando seu complemento de lado. (Simondon 2020:560)

O programa da alagmática – que visa tornar-se uma Cibernética universal – consiste em fazer uma teoria da operação. Porém, não é possível definir uma operação à parte de uma estrutura; portanto, o sistema estrutural estará presente na definição da operação sob sua forma mais abstrata e mais universal; e definir a operação consistirá em definir uma certa convertibilidade da operação em estrutura e da estrutura em operação, já que a operação realiza uma transformação de uma estrutura em uma outra estrutura, e é então investida da estrutura antecedente que vai se reconverter, ao final da operação, na estrutura seguinte; a operação é um metaxú [correlação] entre duas estruturas e é, contudo, de uma outra natureza que a de toda estrutura. Portanto, podemos prever que a alagmática deverá definir a relação de uma operação a uma operação e a relação de uma operação a uma estrutura. Estas operações podem ser nomeadas, as primeiras, transoperatórias, e as segundas, conversões. (Simondon 2020:562)

a modulação e a desmodulação são as equivalências de operação e de estrutura: a modulação é a transformação de uma energia em estrutura e a desmodulação a transformação de uma estrutura em energia. (Simondon 2020:563)

Um monismo epistemológico da estrutura ou da operação não permanece fiel a si próprio e recria, no decorrer de seu desenvolvimento, o termo que ele havia excluído primitivamente. (Simondon 2020:568)

ANALOGIA (O-O) e MODULAÇÃO (O-E)

a analogia é uma equivalência transoperatória. (Simondon 2020:563)

O ato analógico é a colocação em relação de duas operações [O-O], diretamente ou através das estruturas, enquanto que o ato de modulação é a colocação em relação da operação e da estrutura [O-E], através de um conjunto ativo nomeado modulador. […] Todas as operações são aspectos do ato de modulação ou do ato analógico, ou combinações do ato de modulação e do ato analógico. (Simondon 2020:563)

O ato analógico é a colocação em relação de duas operações. (Simondon 2020:563)

O método analógico supõe que se pode conhecer ao definir as estruturas pelas operações que as dinamizam, ao invés de conhecer ao definir as operações pelas estruturas entre as quais elas se exercem. (Simondon 2020:565)

O PENSAMENTO ANA-LÓGICO

A condição lógica do exercício da analogia supõe uma condição ontológica da relação entre a estrutura e a operação. Pois a transferência da operação lógica pela qual se pensa um ser, de um ser a um ser análogo, só pode ser válida se a operação lógica for modulada pelo conjunto sistemático das operações essenciais que constituem o ser. Se a analogia a um outro ser fosse uma simples transferência das modalidades do pensamento pela qual se considera um ser, ela não passaria de uma associação de ideias. A analogia só se torna lógica se a transferência de uma operação lógica é a transferência de uma operação que reproduz o esquema operatório do ser conhecido. A analogia entre dois seres por meio do pensamento só se legitima se o pensamento sustenta uma relação analógica com o esquema operatório de cada um dos seres representados. Antes que o conhecimento da relação analógica entre dois seres seja estabelecido, é preciso que o conhecimento de um ser já seja uma relação analógica entre as operações essenciais deste ser e as operações do pensamento que o conhece. É o conhecimento de um esquematismo operatório que o pensamento transfere, e este conhecimento do esquematismo é ele próprio um esquematismo que consiste em operações do pensamento. O pensamento analógico estabelece uma relação entre dois termos, pois o pensamento é uma mediação entre dois termos com os quais ele tem, separadamente, uma relação imediata. Essa mediação é feita de duas imediações isoladas: o pensamento torna-se o metaxú operatório dos seres sem relação ontológica porque eles não fazem parte do mesmo sistema natural de existência. (Simondon 2020:565)

ANALOGIA (pensamento científico) e SEMELHANÇA (pensamento pseudocientífico)

o pensamento analógico é aquele que revela as identidades de relações, não das relações de identidade, mas é necessário precisar que essas identidades de relação são as identidades de relações operatórias, não as identidades de relações estruturais. Desse modo se descobre a oposição entre a semelhança e a analogia: a semelhança é feita de relações estruturais. O pensamento pseudocientífico faz um amplo uso da semelhança, às vezes mesmo da semelhança de vocabulário, mas não faz uso da analogia. […] Ao contrário, o uso da analogia começa com a ciência. (Simondon 2020:565-6)

O SER COMO FAZER

toda teoria do conhecimento supõe uma teoria do ser; o método analógico é válido se ele visa a um mundo em que os seres são definidos por suas operações e não por suas estruturas, pelo o que eles fazem e não pelo o que eles são: se um ser é o que ele faz, se ele não é independentemente do que ele faz, o método analógico pode ser aplicado sem reservas. Se, ao contrário, um ser se define por sua estrutura, tanto quanto por suas operações, o pensamento analógico não pode alcançar toda a realidade do ser. Se, enfim, é a estrutura, e não a operação, que é primordial, o método analógico é desprovido de sentido profundo e só pode ter um papel pedagógico ou heurístico. A questão primeira da teoria do conhecimento é, portanto, metafísica: qual é a relação da operação e da estrutura no ser? (Simondon 2020:567)

EPISTEMOLOGIA ALAGMÁTICA

O dever da epistemologia alagmática é determinar a relação verdadeira entre a estrutura e a operação no ser, e assim, organizar a relação rigorosa e válida entre o conhecimento estrutural e o conhecimento operatório de um ser, entre a ciência analítica e a ciência analógica. (Simondon 2020:568-9)

O INDIVÍDUO ESPAÇO-TEMPORAL como MEIO DO ATO ALAGMÁTICO

A ciência analítica, estrutural, supõe que um todo é reduzível à soma de suas partes ou à combinação de seus elementos. A ciência analógica supõe, ao contrário, que o todo é primordial e se expressa por sua operação, que é um funcionamento hólico. Ela estabelece as equivalências entre as operações, isto é, os funcionamentos hólicos. Perguntar-se o que é o ser, é perguntar como se articulam o funcionamento, ou seja, o esquematismo hólico de um ser, e a estrutura, isto é, a sistemática analítica do mesmo ser: o esquematismo cronológico e a sistemática espacial são organizados conjuntamente no ser. Sua união faz a individualidade, o indivíduo sendo um domínio de convertibilidade recíproca de operação em estrutura e de estrutura em operação: o indivíduo é a unidade do ser apreendido previamente a toda distinção ou oposição de operação e de estrutura. Ele é aquilo em que uma operação pode se reconverter em estrutura e uma estrutura em operação; ele é o ser previamente a todo conhecimento ou a toda ação: ele é o meio do ato alagmático. (Simondon 2020:569)

A teoria alagmática é o estudo do ser indivíduo. Ela organiza e define a relação da teoria das operações (cibernética aplicada) e da teoria das estruturas (ciência determinista e analítica). (Simondon 2020:569)

O conhecimento da relação entre a operação e a estrutura se estabelece graças a uma mediação entre o esquematismo temporal e a sistemática espacial no indivíduo. Esta mediação, esta condição comum, esta realidade ainda não desenvolvida em esquematismo e sistemática, em operação e estrutura, podemos nomeá-la tensão interna, ou ainda supersaturação, ou ainda incompatibilidade. O indivíduo é tensão, supersaturação, incompatibilidade. Esta tensão, supersaturação e incompatibilidade, se desenvolve em operação e em estrutura, em operação de uma estrutura, se bem que devemos sempre considerar o par operação-estrutura equivalente alagmaticamente à tensão, supersaturação e incompatibilidade de um indivíduo. Existem dois estados do indivíduo: o estado unificado, sincrético, isto é, o estado de tensão, e o estado analítico, ou seja, o estado de distinção da operação e da estrutura. O ato é a mudança de estado do indivíduo. (Simondon 2020:569-70)

TEORIA ALAGMÁTICA é AXIONTOLÓGICA

A teoria alagmática introduz tanto à teoria do saber como à teoria dos valores. Ela é axiontológica, pois apreende a reciprocidade do dinamismo axiológico e das estruturas ontológicas. Ela apreende o ser não fora do espaço e do tempo, mas previamente à divisão em sistemática espacial e esquematismo temporal. (Simondon 2020:569)

AS DUAS PARTES DA ALAGMÁTICA (cristalização e modulação)

Existem duas partes na alagmática: […] 1a) a teoria da passagem do estado sincrético para o estado analítico. […] 2a) a teoria da passagem do estado analítico para o estado sincrético. […] Todo ato da primeira espécie equivale a um ato da segunda espécie. Pode-se nomear cristalização a primeira espécie de ato e modulação a segunda espécie. Tomaremos como postulado que toda cristalização equivale a uma modulação invertida, e reciprocamente. A cristalização é o ato que, partindo de uma individualidade sincrética, transforma-a em uma individualidade analítica, composta de uma estrutura espacial (topologia de interioridade e de exterioridade, nascimento de um limite, forma organizada e homogênea em um meio tornado amorfo, heterogeneidade estável assegurada pelo limite topológico) e de uma função operatória que se expressa sob a forma de atividade organizada por um esquematismo temporal energético: a cristalização substitui o estado sincrético do indivíduo individuante pelo estado analítico do indivíduo individuado, caracterizado em particular pela alteridade mútua da forma estrutural e do meio material no qual ele existe. Ao contrário, a modulação faz a síntese de uma estrutura e de uma operação ao ordenar uma operação temporal de acordo com uma estrutura morfológica: a força de uma operação é aí informada por uma forma-sinal que governa essa força. A desmodulação é a análise desse complexo sincrético de forma e de força. Toda desmodulação, ou detecção, que separa a forma of the força que ela informa, é uma cristalização. Ela só se produz se a condição de tensão, supersaturação e incompatibilidade for preenchida. Senão a força modulada resiste como indivíduo individuante, sem nunca se analisar em estrutura e operação. (Simondon 2020:570)

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