Lembranças a um espinosista, I. (Deleuze e Guattari 1997)
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. 1997. 1730. Devir-intenso, devir-animal, devir-imperceptível. (trad. Suely Rolnik) In: Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol.4. São Paulo: Ed.34.
PLANO DE CONSISTÊNCIA – PLANO DE COMPOSIÇÃO – NATUREZA – MULTIPLICIDADE DE MULTIPLICIDADES PERFEITAMENTE INDIVIDUADA – MÁQUINA ABSTRATA – PLANO DE EXTENSÃO – SECÇÃO DE TODAS AS FORMAS – MÁQUINA DE TODAS AS FUNÇÕES – PLANO FIXO – PLANO DE IMANÊNCIA – PLANO DE UNIVOCIDADE – PLANO DE VIDA
Criticou-se as formas essenciais ou substanciais de maneiras muito diversas. Mas Espinosa procede radicalmente: chegar a elementos que não têm mais nem forma nem função, que são portanto abstratos nesse sentido, embora sejam perfeitamente reais. Distinguem-se apenas pelo movimento e o repouso, a lentidão e a velocidade. Não são átomos, isto é, elementos finitos ainda dotados de forma. Tampouco são indefinidamente divisíveis. São as últimas partes infinitamente pequenas de um infinito atual, estendido num mesmo plano, de consistência ou de composição. Elas não se definem pelo número, porque andam sempre por infinidades. Mas, segundo o grau de velocidade ou a relação de movimento e de repouso no qual entram, elas pertencem a este ou àquele Indivíduo, que pode ele mesmo ser parte de um outro Indivíduo numa outra relação mais complexa, ao infinito. Há, portanto, infinitos mais ou menos grandes, não de acordo com o número, mas de acordo com a composição da relação onde entram suas partes. Tanto que cada indivíduo é uma multiplicidade infinita, e a Natureza inteira uma multiplicidade de multiplicidades perfeitamente individuada. O plano de consistência da Natureza é como uma imensa Máquina abstrata, no entanto real e individual, cujas peças são os agenciamentos ou os indivíduos diversos que agrupam, cada um, uma infinidade de partículas sob uma infinidade de relações mais ou menos compostas. Há, portanto, unidade de um plano de natureza, que vale tanto para os inanimados, quanto para os animados, para os artificiais e os naturais. Esse plano nada tem a ver com uma forma ou uma figura, nem com um desenho ou uma função. Sua unidade não tem nada a ver com a de um fundamento escondido nas profundezas das coisas, nem de um fim ou de um projeto no espírito de Deus. É um plano de extensão, que é antes como a secção de todas as formas, a máquina de todas as funções, e cujas dimensões, no entanto, crescem com as das multiplicidades ou individualidades que ele recorta. Plano fixo, onde as coisas não se distinguem senão pela velocidade e a lentidão. Plano de imanência ou de univocidade, que se impõe à analogia. O Uno se diz num só e mesmo sentido de todo o múltiplo, o Ser se diz num só e mesmo sentido de tudo o que difere. Não estamos falando aqui da unidade da substância, mas da infinidade das modificações que são partes umas das outras sobre esse único e mesmo plano de vida. (Deleuze e Guattari 1997:39)