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O aspecto paradoxal do ser individual (Simondon 2005 [1958])

O aspecto paradoxal do ser individual (Simondon 2005 [1958])

SIMONDON, Gilbert. 2005. Histoire de la notion d’individu. In: L’individuation à la lumière des notions de forme et d’information. Grenoble: Jérôme Millon, pp.455-6, nota 13. [1958]

[A] realidade individual é não apenas ambivalente, mas feita de uma dualidade interna que institui em si mesma uma relação essencial: de qualquer ponto de vista que se possa apreendê-lo, o indivíduo é feito da relação de dois aspectos: ontogenética e filogenética; interioridade e exterioridade; subtancialidade e eventualidade; liberdade e determinismo; asseidade e participação; instintividade profunda e racionalidade hiperconsciente. Este dualismo ambivalente poderia ser entendido como a natureza problemática, ou auto-problemática, do indivíduo: o indivíduo não encontra dificuldades, ele é dificuldade em si mesmo; ele se coloca em questão e é seu próprio problema; ele se reencontra sobre seu próprio caminho. Como um dos aspectos mais nítidos deste caráter auto-problemático do indivíduo, citemos a analogia do sentido da vida e do sentido da morte, da assumção e do desaparecimento da individualidade. A individualidade é circularidade causal, afrontamento de si por si, afirmação e negação de si por si mesmo: toda tendência é gemelar[…]; não é possível adotar nem monismo, nem dualismo, o que seria uma supressão da recorrência, pois assim só teríamos um ou dois termos isolados. Não há um, nem dois termos, mas desdobramento de um termo, e unificação de dois termos. O indivíduo é relação permanente de unidade e dualidade.

A individualidade do indivíduo é, precisamente, transindividual, pois o indivíduo afirma sua individualidade opondo sua ação à sua substancialidade (sacrifício, simpatia), mas essa simpatia e esse sacrifício [essa oposição] não poderiam existir sem uma relativa substancialidade do indivíduo em primeiro lugar. A ação se move, mas ela se move a partir de um ponto, que se torna ponto de partida, pois a ação se estende nele. A relação tem estatuto de ser com relação aos termos, e os termos encontram, no ato que estabelece a relação, o seu valor como termos.

Seria falso, nesse sentido, dizer que o indivíduo é apenas informação. Ele é de fato auto-posição de informação, condição de informação. A informação só pode existir relativamente a um ponto de vista, e não há ponto de vista senão pela individualidade. A realidade transdutiva do indivíduo reside no fato de o indivíduo possuir, em si mesmo, um dinamismo alagmático no qual consiste sua unidade e sua pluralidade, assim como a bipolaridade fundamental de suas tendências. Por outro lado, [também] na relação do indivíduo com outros indivíduos, com a natureza ou com seres técnicos, ele é investido numa relação transdutiva.

Enfim, uma terceira relação alagmática permite que as duas precedentes existam, e é condicionada por elas: a relação alagmática entre interioridade e exterioridade, entre a relação transdutiva interior e a relação transdutiva exterior. Nenhuma dessas duas relações primitivas (da interioridade ou da exterioridade) seria estável sem a terceira, que é a relação de duas relações. Mas esta última não existiria sem as precedentes. Há simultaneidade de três relações. A relação transdutiva entre as duas primeiras relações se manifesta por um vínculo analógico entre suas estruturas dinâmicas e estáticas: essas duas relações são transposições uma da outra. Mas a analogia não passa do aspecto simbólico que revela uma atividade transdutiva. Em sua realidade, a relação é relação transdutiva; ela [apenas] se exprime exteriormente sob forma de relação analógica. A analogia é a expressão simbólica da transdução; ela não a constitui, apenas a exprime. […] Essa relação transdutiva é assimétrica em Platão, pois o Sol e o olho, o Bem e a alma, são análogos sem pertencerem ao mesmo nível na ordem dos seres. Mas devemos notar que, a partir da assimetria fundamental entre o modelo e sua realização, entre a ideia do barco e o barco, Platão busca uma relação simétrica: a alma é irmã das ideias, e não apenas análogo do Bem. O olho realmente emite uma luz que vai encontrar a luz que vem do Sol e do objeto.

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